segunda-feira, 14 de março de 2011

A escola às escuras IV (final) - Julio Groppa Aquino

Continuação da entrevista dada pelo professor Julio Groppa Aquino à Revista Carta Capital (edição 364).
Postagens anteriores (ver marcadores: Entrevistas):
A escola às escuras I - em 28/02/2011
A escola às escuras II - em 02/03/2011
A escola às escuras III - em 08/03/2011

É preciso muita coragem para criticar pessoas tão aclamadas pela mídia, ou até mesmo entre os educadores. O professor Julio Groppa Aquino, com muita propriedade questiona os dicursos de Gilberto Dimenstein, Gabriel Chalita e até mesmo Rubem Alves.
Boa Leitura!
Mirtes

CC: Como a situação pode ser tão ruim se tanto se diz que a educação é cada vez mais valorizada? Fala-se sem parar em “era do conhecimento”, “educação continuada”…
JG: Pois é. Estamos cercados desses repetidores midiáticos, como o Gilberto Dimenstein. Gente que prega o “aprender a aprender”, “aprender a fazer”, “aprender a ser” etc. Clichês que pouco significam quando confrontados com a prática escolar. A educação exige uma certa solidez clássica. E não me venham dizer que as novas gerações não estão interessadas nisso. Elas são a cara do que a gente oferece para elas. Damos alfafa e reclamamos da falta de massa crítica.

CC: Qual é o “alimento” que falta?
JG: O que é o mundo se não gerações contando histórias para as gerações subseqüentes? As histórias dos que nos precederam – aquilo que chamamos de conhecimento. Mas não queremos mais contar história alguma para as novas gerações e, pior, queremos que elas criem sua própria história. Isso é deserção, um crime educacional. As transformações que chamamos de história são respostas ao que foi feito pela geração anterior. Padecemos de uma amnésia cultural sem precedentes. Hoje importa ser “inovador”, “empreendedor”. É insuportável essa tolice empreendedorística que toma de assalto o País, a mídia, as escolas. A geração dos pais e professores, dos educadores, insiste em não abandonar o palco da juventude. Os mais novos têm de lutar muito com os “eternos jovens” por um lugarzinho nesse palco, que deveria ser seu. Há gente demais querendo ser “jovem”.

CC: Nelson Rodrigues clamava aos jovens: “Envelheçam!” Hoje a súplica vale para pais e professores?
JG: Sem dúvida. Se não, quem narrará as histórias que merecem ser recontadas adiante? Você não imagina o que é controlar uma manada de crianças ou adolescentes com os hormônios explodindo. Qual a moeda de troca? É preciso oferecer um pouco da serenidade do velho mundo. Isso os acalma e dá a possibilidade da liberdade diante da opressão da juventude. O educador lhes dá a oportunidade de envelhecer. Ganha em troca um pouco da vitalidade deles e, com ela, a possibilidade de sobrevida. Uma troca justa.

CC: Mas essa imaturidade que domina a educação não é coerente com uma sociedade conservadora como a brasileira? A “eterna juventude” e o renascer do zero não são formas de simular o novo sem sair do lugar?
JG: Exatamente. É a morte do espírito educativo, de seu poder de transformação. Praticamos uma espécie de educação self-service, ou prêt-à-porter, antagônica à idéia de educação como conservação do mundo. A Hannah Arendt defende o aspecto conservacionista da educação, muito distinto do conservadorismo. Desde que trabalho com educação, duas décadas já, só a vi piorar no Brasil. E vai seguir ladeira abaixo se não mudarmos a relação que temos com as novas gerações, hoje marcada por rivalização e descaso. Ao rejeitar o conservacionismo, a nossa prática educacional torna-se, na verdade, ultraconservadora.

CC: Apesar da realidade da educação brasileira, ouvimos e lemos autoridades e especialistas a desfiar boas e belas intenções. Não há muita “poesia” para pouca lição de casa?
JG: Na penúria em que nos encontramos, pode faltar pão, mas não o circo. Esse é o efeito principal da onda de auto-ajuda pedagógica que assola as escolas atualmente. Um dos campeões do palavrório é o atual secretário da Educação do Estado de São Paulo (Gabriel Chalita). E olha que as escolas estaduais paulistas estão em situação ainda pior que as do município. Outro “poeta” da educação é o Rubem Alves, autor bastante reconhecido entre os educadores e na mídia. Eles que me perdoem, mas eu considero essa atitude leviana, para dizer o mínimo. A situação é muito grave para que possamos arrancar aplausos fáceis, fazer correr lágrimas comovidas de olhos mais sensíveis – ou míopes – e ter o sono dos justos.



3 comentários:

  1. Adoro esses mentes que nos faz pensar, a cada passo dessa entrevista fico mais esclarecido. Obrigado. Marcello Marins

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  2. É Marcelo,
    é muito bom sair do senso comum. Por isso escolhi esse texto, o professor Julio Groppa Aquino dá um show e nos fez repensar velhos paradigmas.
    Obrigada pela sua participação.

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  3. Tive aula com esse cara. Ele é sensacional. Parabéns pela escolha do texto!!!

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