terça-feira, 22 de março de 2011

Dermeval Saviani em entrevista à Rosina Duarte - III (final)

Término da entrevista de Dermeval Saviani concedida à jornalista Rosina Duarte.
Postagens anteriores (ver marcadores: Entrevistas):
Parte I  postada em 15/03
Parte II posta da em 19/03

Nesse trecho da entrevista Dermeval fala sobre os impactos de uma politica neoliberal na educação e propõe alternativas para reverter o caos educacional brasileiro.


10. De que forma os rumos políticos do país – em especial o advento do neoliberalismo – influenciaram na educação?
R. Respondendo de forma resumida, eu diria que os rumos políticos do país, pautados na orientação que se convencionou chamar de neoliberalismo, vêm tendo um impacto negativo na educação ao subordiná-la aos mecanismos de mercado e ao predomínio do capital financeiro, forçando o país a ajustes contábeis visando ao equilíbrio das contas públicas que lhe permita o pagamento dos juros da dívida internacional, juros esses que absorvem um montante anual quase equivalente ao total dos gastos que temos com educação, o que vem provocando uma verdadeira sangria na capacidade produtiva  nacional.
 
11. Em uma entrevista que o senhor concedeu a uma revista gaúcha – Amanhã – em 1996, disse: “A educação brasileira chegou ao fundo do poço. Não é mais ma questão de qualidade social e integração social dos excluídos. É uma questão econômica”. Onde estamos agora e como podemos sair?
R. Em verdade, não disponho dessa entrevista. Talvez ela tenha sido concedida oralmente, no intervalo de uma de minhas conferências, não sabendo eu que destino tomou posteriormente. No entanto, a mesma revista AMANHÃ publicou no número 147, de outubro do ano passado, à pág. 88, uma matéria que me foi solicitada e que saiu com o título Um plano de emergência para a educação. Aí, para fazer face ao atraso em que nos encontramos, proponho a imediata duplicação do percentual do PIB investido em educação, passando dos atuais 4% para 8%, o que apenas nos colocaria no nível das nações que mais investem em educação, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá, Noruega e Suécia que si situam na faixa entre 7,5 e 8,5%. Esses países, no entanto, não têm o déficit que temos. Portanto, a rigor, nós, para zerar o déficit, teríamos que investir muito mais. Entretanto, penso que, a partir desse esforço, teríamos chances de começar a tratar com seriedade os  problemas da educação, ganhando condições de resolvê-los efetivamente. Por essa proposta, cada instância governamental teria o dobro dos recursos de que hoje dispõe para a educação. Assim, os municípios que, por força do chamado Fundão, têm apenas 10% de seus recursos para investir em educação infantil, passariam a ter 20%. Com isso, já começa a se tornar viável a construção de uma ampla rede nacional de educação das crianças de 0 a 6 anos, mantida e gerida pelos municípios, com a orientação dos Conselhos Estaduais de Educação. Para o ensino fundamental, em lugar dos atuais 15% dos recursos de Estados e Municípios, passaríamos a ter o equivalente a 30%. Lançando mão do parágrafo único do artigo 11 da LDB, que permite aos municípios a opção de se integrar ao sistema estadual ou compor com ele um sistema único de educação básica, será possível construir, a partir dos Estados, um amplo sistema de ensino fundamental coordenado nacionalmente. No caso do ensino médio teríamos o equivalente a 20% dos recursos dos Estados, o que já permitiria que o objetivo de universalização do ensino médio, previsto pela Constituição Federal, deixasse o âmbito dos objetivos remotos para se tornar viável a médio prazo. Com efeito, cabe observar que, diferentemente do ensino fundamental que se compõe de 8 séries, o ensino médio tem apenas 3. Quanto à questão dos professores, considerando a determinação do “Fundão” de que 60% dos recursos se destinem ao corpo docente, a duplicação do percentual tornará exeqüível a meta de implementar a jornada de 40 horas em uma única escola, além de viabilizar a criação de uma espécie de PICD da Educação Básica, semelhante ao que se fez com o ensino superior, através da CAPES, viabilizando, assim, a qualificação dos professores através de bolsas de estudo para freqüentar cursos específicos nas universidades públicas de melhor qualidade. Finalmente, em relação ao ensino superior, a duplicação dos recursos permitirá à União, com o montante dos recursos atuais, consolidar as universidades federais além de manter sua rede de escolas técnicas. Os recursos adicionais, da mesma magnitude dos atuais, poderiam ser divididos em duas fatias: metade se destinaria à educação básica para que a União possa cumprir a função de apoio técnico e financeiro, suprindo as deficiências locais; a outra metade constituiria um fundo por meio do qual seriam financiados projetos que engajariam fortemente as universidades na realização das metas definidas no Plano Nacional de Educação. Essa proposta foi publicada no mencionado número da Revista AMANHÃ mas já constava do meu livro Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação, Campinas, Editora Autores Associados, cuja primeira edição data de 1998. Como registrei na Revista AMANHÃ, a implantação dessa proposta não resolverá, por si só, todos os problemas da educação brasileira. Mas estou convencido de que é somente a partir dela que a solução se tornará possível. Fora disso, todas as proclamações em favor da educação não passarão de palavras ocas e promessas enganosas, acobertadoras da falta de vontade política para enfrentar decididamente o problema.
 
       Campinas, 24 de março de 2000. 
 
       Dermeval Saviani.
Fonte: http://www.fae.unicamp.br/dermeval/index2.html

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