sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Haddad anuncia pós-graduação de graça para professores da rede pública



Da Redação – uol educação
Em São Paulo


O ministro da Educação e pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou nesta sexta-feira (30) a criação de um “Fies do professor”, por meio do qual os docentes de escolas públicas poderão fazer cursos de mestrado e doutorado em educação de graça em instituições privadas.
O anúncio foi feito durante um evento sobre educação infantil, feito pelo sindicato municipal dos trabalhadores na educação infantil de São Paulo.
Segundo o MEC (Ministério da Educação), o regulamento do programa será definido nos próximos dias, mas, a princípio, o professor que trabalhar na rede pública terá a dívida abatida “automaticamente”.

Anúncios de impacto

Haddad assumiu a pré-candidatura no começo de agosto e tem feito, desde então, anúncios de impacto na área da educação.
Durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, no começo do mês, Haddad disse que pretendia distribuir tablets para alunos de escolas públicas a partir de 2012. Ele não soube dizer, na época, quantos equipamentos seriam comprados, mas afirmou que o volume seria de “centenas de milhares”.
No dia 13, o ministro tornou público que o MEC estuda ampliar o total de dias letivos nas escolas brasileiras –atualmente, em 200 dias. "Ou ampliamos o número de horas por dia ou, caso não haja infraestrutura para isso, aumentamos o número de dias letivos. Mas essas alternativas não são excludentes", afirmou Haddad, na época.
Questionado, o MEC afirmou que não há relação entre a pré-candidatura e os anúncios.


http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/09/30/haddad-anuncia-pos-graduacao-de-graca-para-professores-da-rede-publica.jhtm

Resultado da Prova do Mérito 2011 - Lista dos Aprovados

Lista dos aprovados na Prova do Mérito 2011.
Acabou a espera, os professores que foram aprovados vão receber no mês de Outubro, com aumento retroativo ao dia 01 de Julho.

Veja o resultado:  http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v4/index.asp?c=15&e=20110930&p=1

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Educação: qualidade exige qualidade!

MÍDIA & EDUCAÇÃO

Por Gabriel Perissé  - edição 577 –Observatório da Imprensa


Os textos e discursos sobre a educação brasileira, não é de hoje, deveriam nos levar a uma situação de impasse. E a consciência desse impasse poderia ser o começo de novo comportamento mental, a desembocar em ações práticas mais eficazes.
Citemos, por exemplo, os títulos de dois livros do educador Arnaldo Niskier: S.O.S. educação (1991) e Apocalipse pedagógico e outras crônicas (2007). A educação precisava ser salva há duas décadas... e não foi. Chegamos, portanto, ao fim? Não seria mau... para recomeçar.
A julgar pelo clima verbal da mídia a respeito da educação, a ideia de que a educação brasileira é calamitosa deixou de ser ideia. Tornou-se palpável como uma pedra no meio do nosso caminho, à força de repetidas declarações nos últimos 50 anos:
"A presente situação da educação no país é nada menos que calamitosa." (Darcy Ribeiro, quando ministro da Educação, em 1962, conforme Veja)
"A educação, no Brasil, é um problema social de inacreditável gravidade." (Florestan Fernandes, sociólogo e político, em 1989)
"A situação da educação é dramática no Brasil." (Dom Raymundo Damasceno de Assis, quando secretário-geral da CNBB, em 1998)
"A educação no Brasil é um fracasso." (Gastão Vieira, quando deputado, político do PMDB, em 2006)
"A educação brasileira é uma calamidade." (Ana Maria Machado, escritora, em 2008)
"Na média, a educação do país está em estado trágico e vergonhoso." (senador Cristovam Buarque, em 2008)
"A educação brasileira é um lixo." (deputado Ciro Gomes, do PSB, em 2009)
"A educação brasileira é uma das piores do mundo. [...] O ensino público brasileiro é um perfeito desastre." (Marcos Bagno, professor, em 2009)
Dois problemas complicados e implicados
Ou, em tom menor, como nesta declaração eufemística: "A situação educacional brasileira é muito complicada" (César Callegari, sociólogo). Na qual, o adjetivo "complicada" é menos forte do que "trágica" ou "calamitosa", mas explicaria por que a tragédia não teve um desfecho, por que o lixo ainda não foi recolhido, ou por que a calamidade se arrasta há tanto tempo.
O problema quantitativo, o do acesso, chaga do nosso sistema de ensino que se tornou evidência incômoda em meados do século 20, denunciada, por exemplo, no livro Educação não é privilégio, de Anísio Teixeira (1957), foi e é visto como prioridade nacional, ainda que tenham surgido vozes discordantes, como a do ministro da Educação Jarbas Passarinho, em plena ditadura, numa entrevista à revista Veja (12/11/1969):
"Muita gente dá grande importância ao problema quantitativo e eu acho extremamente secundário. O grande problema para mim é o qualitativo da educação brasileira. Eis aí uma linha de ação geral muito importante. Antes ter um analfabeto do que um alfabetizado vítima de um sistema farsante de Educação. Não estou dizendo que o nosso atual é. Respondo em tese, mas por isso eu admito que a qualidade do ensino deve se sobrepor à quantidade. Primeiro devemos ter qualidade, para depois então ganhar a batalha do número, a batalha dos bolos, como diz muito bem o Mário Simonsen."
Na verdade, os dois problemas são importantes e estão relacionados. O acesso deve ser universal e de qualidade, respeitando-se as inclinações e escolhas dos estudantes. Ou teremos então de aceitar o raciocínio oposto ao de Jarbas Passarinho, como o do economista Gustavo Ioschpe, na mesma Veja, quatro décadas depois (13/02/2008), ao afirmar que "é preferível para o país ter um balconista com diploma superior a outro analfabeto".
Talvez o desafio da qualidade tenha sido postergado, ou mal trabalhado, no momento em que, também inadiável, era o enfrentamento do desafio da quantidade.
Ainda é preciso muito arroz com feijão
Seja como for, o senador Demóstenes Torres (DEM), referindo-se a "mais uma década perdida" na educação, faz em artigo recente (O Globo, 04/02/2010) afirmações que vale a pena ressaltar:
"Por conta das inúmeras oportunidades perdidas de implementar um sistema educacional decente, continuamos a apresentar índices de atraso que superam até mesmo os países mais pobres da América Latina, que temos a honra de liderar no plano geopolítico."
"Enquanto o Brasil não se definir pela universalização da Escola em Tempo Integral, o sistema educacional vai continuar a formar analfabetos funcionais de alto custo financeiro."
"Estamos a desperdiçar tempo e dinheiro, além de pôr em dúvida a real capacidade de nos convertermos em um protagonista global confiável, já que não se pode levar a sério uma nação com indicadores educacionais piores do que a Bolívia."
O senador está se referindo ao Relatório de Monitoramento Global da Educação para Todos 2010 da Unesco, em que o Brasil, embora sejam ali reconhecidos os esforços do MEC, continua com índices altíssimos de repetência no ensino fundamental, um analfabetismo indecente, renitente e com novos contornos, e outros problemas crônicos que se traduzem num IDE (Índice de Desenvolvimento da Educação para Todos) de 0,883 (a escala vai de zero a 1) [ver, neste OI, "A educação brasileira e seus números"). Algumas outras informações oferecem mais lenha para a fogueira das manchetes: dos 195 mil estabelecimentos de ensino do país, quase 10% (mas já foi pior!) não têm energia elétrica, 37% carecem de biblioteca e em 10% não há banheiros.
Isto significa que, não obstante o destaque econômico do país na América Latina, não obstante o trabalho incansável e meritório do atual ministro da Educação, Fernando Haddad, ainda precisamos comer muito feijão com arroz para demonstrar excelência no campo da educação, ou ao menos sair do grupo dos medíocres, e chegar ao nível de Argentina, Cuba, Uruguai, Chile, México e Venezuela.
Calamidade ou inquietação exagerada?
Teremos razão em corroborar o consenso de que a educação no Brasil é um lixo, uma calamidade, um desastre, aceitando o que a mídia capta e faz repercutir e, com ela, divulgando como fato inconteste, em conversas, em textos, em palestras, o nosso vergonhoso colapso educacional? O fato de ainda haver 14 milhões de analfabetos no Brasil significa que somos realmente um caso perdido? E que a situação dos que frequentam as nossas escolas não é muito melhor, haja vista que milhares, milhões de estudantes têm baixo nível de conhecimento de leitura e escrita, dificuldades insanáveis para aprender matemática, aversão às ciências, em comparação com o padrão de ensino europeu?
É preciso refletir com calma, sem cair numa inquietação exagerada... e paralisante. Nem é mentira que estamos numa situação educacional difícil, comprometedora, mazelenta, nem é totalmente verdade que a educação brasileira é um lixo, que não presta para nada, nem para reciclar...
Primeiramente, temos de admitir que existe educação de qualidade no Brasil, tanto no ensino público como no particular. São exceções que as avaliações apontam, o que é de se lamentar, certamente. Mas é um dado que, modesto, não vamos ignorar. Deve ser mencionado e divulgado. É possível identificar escolas, professores, alunos, famílias, municípios que se encontram no círculo, pequeno mas real, da qualidade satisfatória. É estratégico reconhecer esse fato para vislumbrarmos saídas concretas do impasse a que estamos chegando.
Sabemos que há muita alfabetização fictícia, insuficiente, mas também temos de reconhecer que, embora exíguo, há um contingente de estudantes que leem e escrevem bem, que há no Brasil consumidores/apreciadores de leitura e produtores/criadores de texto.
Em suma, generalizações indevidas, por piores que sejam os indicadores a autorizar essas generalizações sobre a falência da educação no Brasil, ajudam muito pouco. E não se trata de ocultar o mal e partir para o mundo dourado, mostrando as exceções de qualidade, os heroísmos eventuais, como exemplos de que a culpa está na classe docente despreparada. O problema educacional tem várias dimensões a serem analisadas em conjunto. E é com uma visão ampla, aberta às contradições e às boas possibilidades, que nós, e a mídia, devemos discutir educação. O fascínio pelas hecatombes nos impede de ver oportunidades, por menores que sejam. Uma certa obsessão pelo pior tende a nos tornar céticos, e a encerrar a história cedo demais.
Indicações para novas abordagens
Proponho algumas correções de rumo em nossos textos e declarações (e em nossas práticas) sobre a educação nacional, com a finalidade de evitar que a sensação de catástrofe total inviabilize as possibilidades, existentes, reais, de reação e melhoria, mesmo que a longo prazo:
** Não nivelar todas as escolas por baixo, mas enfatizar a qualidade, onde quer que ela esteja.
** Qualidade não é uniformidade: sempre haverá disparidades, logo, o ideal não é que todos sejam ótimos, mas que todos melhorem sempre, respeitando-se características e idiossincrasias regionais (bairros, cidades, estados...).
** Identificar as características que fazem uma escola (pública ou privada) ser bem-sucedida, sem encarar tais circunstâncias como algo excepcional. Qualidade serve como inspiração.
** Quem critica a falta de qualidade da educação deve propor saídas com ações de qualidade.
** Qualidade educacional implica vida profissional de qualidade: as condições de trabalho dos professores devem melhorar, incluindo salários que, como contrapartida, tragam-lhes exigências de atuação da melhor qualidade.
** Avaliações não falam sozinhas, é preciso interpretá-las pedagogicamente. O fracasso escolar em língua portuguesa e matemática não impede a eclosão da qualidade em diferentes caminhos existenciais: técnicos de grande habilidade, artistas criativos, excelentes esportistas e outros tipos de profissionais.
** As avaliações, por mais desagradáveis que sejam seus resultados, não devem nos impressionar além da conta. São motivo (termômetro) para olharmos a realidade (doente, febril), com qualidade de visão, e não só para produzir lamentações desqualificadoras... até que sobrevenha a morte.
** As avaliações são menos importantes do que os problemas, e os problemas, se encarados com honestidade e qualidade, tornam-se uma chance para que os críticos se transformem em líderes sociais.
** Ensino de qualidade implica quantidade de horas: é necessário que o período escolar seja de no mínimo seis horas diárias, do ensino fundamental ao médio.
** A educação é uma questão que interessa aos políticos, aos profissionais da mídia, aos economistas, aos empresários, mas é, sobretudo, uma questão que cabe aos educadores, filósofos e poetas analisarem e nela atuarem livremente, com o apoio dos políticos, profissionais da mídia etc.


http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/qualidade-exige-qualidade

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Geração Harry Potter

Carta Capital - Mário Corso


O segredo do feliz encontro dos jovens e a saga dos bruxos, marco da literatura de ficção. Por Mário Corso, para a Carta na Escola


O observador desavisado pode pensar o fenômeno Harry Potter apenas como um investimento bilionário da indústria cultural. De fato foi, mas só depois de ter trilhado um caminho solitário, com tropeços e sem outro incentivo que não o de ter tocado o coração dos seus primeiros leitores. Foi na base de uma difusão boca a boca que esse livro, de uma autora estreante, conseguiu seus pequenos admiradores.
Claro, depois da história se provar viável, a mídia investiu forte e fez dela o que é: marco literário da ficção para jovens. Podemos inclusive falar que existe uma “geração Harry Potter”. São jovens que estão hoje ao redor dos seus 20 anos, que nasceram em torno da década de 90 e pegaram a onda quando chegavam à puberdade ou no começo da adolescência. Em razão de que outras marcas ideológicas entraram em declínio, tornou-se comum as pessoas se referenciarem e identificarem na condição de consumidoras de certas obras literárias. O universo que J.K. Rowling criou é sem dúvida uma delas, mas esse fenômeno é partilhado por fãs, até então mais velhos, de sagas como Star Trek, O Senhor dos Anéis ou Star Wars, a galáxia distante de George Lucas. As crianças que celebrizaram o bruxinho de Rowling, além de habitar esse complexo reino mágico, o acompanharam enquanto ele nascia, com cada livro e filme aguardados ansiosamente. Ou seja, trata-se de uma geração e uma série que cresceram juntas.
Mas o que podemos aprender com o fenômeno Harry Potter? Se ele realmente fez eco em tantos é impossível que não traduza questões que estão postas para esses jovens. Uma resposta para esse encontro feliz entre obra e geração está no mais óbvio: a busca da magia, mas entender o que significa essa magia é algo que requer um esforço a mais.
Max Weber notava que a marca mais forte da modernidade foi o desencantamento do mundo, no sentido do pensamento mágico que revestia o cotidiano, a cultura e o raciocínio dos antepassados. O declínio das religiões e o avanço do pensamento científico reposicionaram o homem ante o cosmo. Mas, infelizmente, as promessas do iluminismo, da ciência, da razão, falharam.

ESPAÇO MÁGICO

Acreditávamos num mundo racional, no qual, graças ao avanço das ciências, as paixões humanas perniciosas estariam dominadas, mas o que realmente vivemos foram duas guerras mundiais que devastaram a Europa, supostamente o lugar mais avançado. Acrescentem-se a isso Hiroshima, Auschwitz, totalitarismos e a Guerra Fria, com sua possibilidade de um desastre nuclear em que todos perderiam. O século XX é um cemitério de promessas, como então seguir confiando em tais ideais? Assim, o apelo ao mágico dessa série ganha contornos de uma crítica nostálgica ao nosso tempo. A sobrevivência da barbárie tornou inegável que ainda existem fatos obscuros nos homens e na sociedade, que a ciência e a razão não conseguem explicar suficientemente. Representando uma forma lúdica de lidar com esse lado sombrio, a literatura nos restou como o único espaço possível da magia.
Acompanhando os acontecimentos do mundo dos bruxos e as batalhas de Potter, fica claro que Rowling está em busca de circunscrever o mal. Afinal, uma das questões que está em aberto é sobre a essência do mal. O que ele seria? Como entendê-lo e principalmente, como contê-lo? Haja feitiços suficientes para neutralizar e tentar reparar um século tão trágico como o XX!
Especialmente no Brasil, temos uma dificuldade com a ficção de inspiração mágica. Nossa literatura é essencialmente realista, com poucas exceções, e nosso pensamento político lhe faz eco. A ideia de fundo é: como, com tantos problemas sociais, poderíamos reforçar o pensamento mágico, já que este nos afastaria da nossa difícil realidade?
Por sorte os jovens não aceitaram essa prevenção absurda, que não capta a essência das possibilidades da fantasia. O mundo fantástico permite outra forma de apreensão da realidade e não um afastamento. Quem imagina o mundo encantado de Rowling como refúgio idílico onde encontraremos as bondades do Papai Noel vai se sentir traído: ele é mais assustador e perigoso que o nosso. Não existem concessões, meio termo, nem ilhas de sossego. O que encontramos lá é uma luta política contínua, com traições, mortes e golpes baixos a todo o momento. Os heróis dessa saga sofrem sem tréguas e a mensagem é que só o engajamento e a disputa corajosa podem resolver seus destinos e os daquele reino.
Apesar de usar o acervo mitológico clássico com tempero gótico, é muito provável que o cerne mítico que está embutido em Harry Potter seja indissociável da experiência europeia com o nazismo. Filosoficamente, a Segunda Guerra é uma ferida não supurada, ainda não a entendemos em todos os seus mecanismos. Acredito que a geração de agora, por meiodessa obra, a recebe de maneira indireta e mítica, por ser a primeira que não foi tocada diretamente pelos seus tentáculos de horror, perplexidade e luto.
Harry Potter trilhará o mesmo caminho de Peter Pan, Pinóquio, Alice, Dorothy e tantos outros, figurando entre os heróis infantis de todos os tempos. Seu sucesso provavelmente não se repetirá com tanta força nas próximas gerações, primeiro porque tem o sabor do ethos da que passou e também porque, por se tornar um clássico, essa história será conhecida e recomendada pelos adultos. As crianças gostam de compartilhar com seus pais as histórias que as encantaram, mas também gostam de ter um universo onde elas saibam mais, onde elas sejam mestras dos caminhos. Para a primeira geração, foi uma experiência de independência: seus pais não eram iniciados nos assuntos do bruxinho, já para os filhos desta, talvez ele se torne personagem de uma história familiar.
Há algumas décadas, Umberto Eco ponderava sobre o que aconteceria caso um professor universitário pedisse a seus alunos que fossem tão dedicados a um assunto qualquer quanto eles eram devotos ao mundo enciclopédico de Tolkien. Ele não seria seguido e certamente arranjaria uma briga e tanto. Talvez, o que possamos dizer sobre isso é que esses universos mágicos nos apaixonam também porque não somos obrigados a entrar. A porta está aberta e espiamos por suspeitar que ali vamos nos divertir, nos assustar e ter contato com dimensões do humano que só a literatura nos proporciona.

Mário Corso é psicanalista e autor, entre outros, de Psicanálise na Terra do Nunca: Ensaios sobre a Fantasia, escrito com Diana Corso (Artmed)
http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/geracao-harry-potter

A dificuldade do uso de computadores nas escolas

Fora do lugar

Carta capital - Tory de Oliveira


Todas as escolas públicas estaduais e municipais estão equipadas com ao menos um computador, 92% dos quais com acesso à internet. Mas, apesar de ter chegado às instituições de ensino, a tecnologia está longe da maioria das salas de aula e, pior, é vista como intimidadora por boa parte dos professores. A revelação é de uma pesquisa inédita conduzida pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), órgão do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que envolveu 1.541 professores, 4.987 alunos, 497 diretores e 428 coordenadores pedagógicos de 497 escolas de todas as regiões do País.
Entre os entraves para o uso e a apropriação das novas tecnologias, o estudo indica o número insuficiente de equipamentos por aluno, a baixa velocidade da conexão e o próprio contexto do professor (muitas vezes sobrecarregado e mal capacitado). “A infraestrutura chegou à escola, mas precisa avançar”, avalia Juliano Cappi-, coordenador- de pesquisas do Cetic.br.


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Das instituições, 81% possuem laboratórios de informática e apenas 4% têm computadores instalados na sala de aula. Contudo, é nela que acontecem 18% dessas atividades. Ou seja, há, segundo o pesquisador, uma “demanda reprimida” dos docentes pela presença da tecnologia nas classes. Apesar de reconhecer a importância dos laboratórios, Cappi faz a ressalva de que talvez seja a hora de reavaliar tal política.
A insegurança ao lidar com a tecnologia foi um fator mencionado por grande parte dos professores de português e matemática (perfil escolhido para participar da pesquisa). Ainda que 90% deles possuam computador em casa e 41% levem o equipamento pessoal para a escola, mais da metade (64%) sente que os alunos dominam melhor as ferramentas. Outros 24% afirmam que não sabem o suficiente para usar a máquina na aula e 15% têm receio de utilizar a internet de modo geral.
A questão geracional ainda conta: 84% dos professores em atividade hoje na Educação Básica não são nativos digitais, apesar de 48% terem feito cursos específicos de informática. “O professor percebe que sua habilidade ainda pode melhorar”, explica Cappi. “O docente passou 30 anos trabalhando com lousa e giz, ele precisa ter tempo para pesquisar, discutir, preparar aulas e começar a incorporar novas iniciativas”, opina o pesquisador.
Apresentados à Secretaria de Educação Básica do MEC em agosto, os dados da pesquisa – que na próxima edição deverá incluir escolas particulares – devem servir de base para a construção de novas políticas públicas. Todos os dados estão em http://cetic.br/educacao/2010/.

http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/fora-do-lugar

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mãos Atadas – o fim da letra cursiva

Decisão americana de acabar com o ensino da letra cursiva abre discussão sobre as motivações do ensino ofertado às crianças na era digital


Juliana Holanda – Revista Educação – Edição 173

Ela pode ser torta, trêmula, rebuscada, altiva ou até mesmo tímida. Bonita ou não, é capaz de revelar, ao mesmo tempo, um período histórico e a individualidade humana. Mas a letra cursiva está sob a ameaça da contemporaneidade. Com a ascensão do computador, seu presente é associado ao passado. E seu futuro parece incerto. A recomendação de 46 estados americanos para que as escolas abandonem o ensino da letra cursiva levanta questões mais amplas que o simples domínio motor de uma técnica: será que no afã de formar as crianças do futuro precisamos comprometer o seu presente? Afinal, mesmo na hipótese de que a escrita à mão seja abolida no longo prazo, como essas crianças se inserem na atualidade? E quais os impactos para o seu desenvolvimento cognitivo, motor, e enquanto indivíduos que
se expressam?

"É mentira dizer que a letra cursiva vai cair em desuso. Existem práticas usuais, como deixar um bilhete ou fazer a lista de supermercado, que continuarão a existir. E a escola não pode sonegar informação em nome de um futuro", diz Silvia Colello, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento da Faculdade de Educação da USP (Feusp). Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano com formação em neurociências, psicologia, antropologia e música, concorda. "Abolir a cursiva restringe a possibilidade de autonomia de o sujeito se comunicar quando não tiver a tecnologia disponível. As gerações que estão aí vão continuar escrevendo. Uma decisão dessas diminui a capacidade de comunicação da criança", avalia.

Recente estudo coordenado pela Universidade de Yale mostra que 1 em cada 25 adolescentes nos Estados Unidos é "viciado" em internet, ou seja, sente uma "necessidade irresistível" de estar conectado. Mas, mesmo na altamente digitalizada sociedade americana, Silvia Colello desconfia que a escrita à mão ainda é fundamental. "Não me meto a avaliar a realidade americana, mas a letra cursiva faz parte do universo letrado brasileiro e tenho dúvida se não faz parte do universo americano. A escola tem de abrir horizontes e perspectivas, e não fechar. Pergunte para uma pessoa que escreve se ela abriria mão desse conhecimento", questiona.

Mesmo tendo sido formulada por educadores, a orientação também causa desconforto nos Estados Unidos. Em pânico, muitos pais falam na "morte" da escrita cursiva em discussões na internet. Professores declaram que os alunos não reconhecem mais o que eles escrevem à mão nos quadros, obrigando-os a usar letra de forma. Em blogs, pessoas comuns acham a ideia um absurdo, mas há os que lembram que todo mundo escreve no computador, em tablets e telefones. A conclusão geral é a de que, basicamente, as escolas americanas não se importam se uma criança consegue ou não segurar um lápis. O importante é que sejam capazes de ler.

Leitura e escrita

Elvira Souza Lima lembra que, historicamente, há resistência na socialização da escrita e priorização da capacidade de leitura pelo ambiente escolar. "A escola resistiu a socializar a escrita, sendo que a leitura foi socializada. Ler significa ver o mundo pelos olhos do outro. Escrever significa expressar a própria identidade. Querer que todo mundo escreva e se comunique é que é revolucionário." Prova disso é que as próprias crianças, jovens e adultos hoje já demonstram dificuldade de se expressar por meio da linguagem escrita. Culpa da alfabetização de "copista", na avaliação de Silvia Colello. Ela lembra que, há pelo menos duas décadas, o ensino mecânico da escrita, no qual as crianças apenas preenchem cadernos de caligrafia, é desaconselhável. Mas, na prática, é o que ainda se vê em muitas escolas.

"Ainda há uma resistência muito grande em função dos problemas educacionais que vivemos. Vejo crianças que chegam ao 9º ano com uma letra bonita, mas não dominam a linguagem. O que devemos colocar em discussão é o modo como ensinamos a letra cursiva, e não a letra cursiva em si", defende Silvia. Os educadores brasileiros desconfiam que a letra cursiva virou bode expiatório de uma discussão mais ampla: a visão da criança e o papel da escola na contemporaneidade. O domínio de uma técnica, como se a escrita fosse apenas um código, desconsidera a capacidade de desenvolvimento do sujeito, enquanto um ser autônomo e dono de seus próprios saberes.

"Não quero um aluno copista, quero um aluno sujeito do seu próprio discurso. Aprender a escrever é dar voz ao sujeito para que ele possa ser senhor da sua palavra, usar aquilo de modo criativo", diz Silvia.

Desenvolvimento motor

Vista apenas como técnica voltada ao desenvolvimento motor e cognitivo da criança, a letra cursiva rea­lmente pode ser colocada à prova. A pedagoga e presidente da Associação Brasileira de Fonoaudiologia, Quézia Bombonatto, lembra que é natural que o ser humano se adapte a processos evolutivos e perca movimentos pelo uso ou desuso de habilidades necessárias ao seu tempo histórico. "Se é melhor ou pior, é uma questão de adaptação ao mundo no qual vivemos. Se pensarmos que no futuro não precisaremos mais desse movimento, podemos admitir que estamos preparando essa geração para isso."

A capacidade de adaptação e transformação inerentes ao ser humano é perceptível na facilidade da atual geração em lidar com o ambiente eletrônico e virtual, e dos próprios jovens e adultos que, por simples questão de prática, desenvolveram maior habilidade de raciocínio escrevendo no computador do que à mão. Por isso, os educadores também entendem que a coordenação motora pode ser aprendida e apreendida por outros meios, como brincar com colagem, pintura, costura, sem depender, necessariamente, do ensino da letra à mão.

A importância da mão

Elvira Souza Lima lembra que a questão não se resume ao uso da escrita, mas ao que a mão significa no desenvolvimento da criança. Em primeiro lugar, a grande diferença é que no teclado a letra já está dada, dificultando a formação de memória. Em segundo, escrever à mão envolve movimento, requer maior atenção e guarda relação com a questão da identidade e da autoria. Pesquisas indicam que ao acompanhar e ler o que se está escrevendo, o sistema emocional é mobilizado.

"Não temos de fazer a contraposição tecnologia versus artesanal, mas do ponto de vista do ser humano, escrevendo com o indicador e o polegar, temos uma ativação de áreas do cérebro diferentes do que quando estamos escrevendo à mão. Quando digitamos exercitamos apenas a visão, sendo que a escrita mobiliza áreas ligadas à imaginação", diz Elvira.

No processo do desenvolvimento infantil, isso é ainda mais relevante. "Quando está aprendendo a escrever, a criança entende que está desenhando. A função simbólica desenvolvida na criança pela escrita é decorrente de um processo de desenvolvimento do movimento que terá implicações inclusive em outros aspectos." Isso leva à discussão até da própria letra bastão, utilizada atualmente como primeira etapa do processo de alfabetização, anterior ao uso da letra cursiva. Mesmo na letra bastão, o movimento da mão é interrompido, o que gera implicações na aprendizagem da estrutura da língua, dificultando o domínio do padrão de sílabas, por exemplo.

"O maior problema da falta da letra cursiva é a questão da percepção da palavra como um todo - a criança comete omissões, e a questão da fronteira vocabular (onde a palavra começa e termina) fica comprometida. Imagino que, sem a letra cursiva, isso se torna confuso para a criança", diz Quézia. Por isso, os educadores entendem que a criança deve ter direito a todos os processos. "A escola pode ensinar a escrita cursiva, bastão e de imprensa e deixar livre para o sujeito usar a letra que quiser. É uma decisão do sujeito, e não da escola", defende Silvia.

Quézia concorda que a criança deve ter acesso a todos os saberes, já que a falta do movimento da escrita à mão pode gerar uma disgrafia - dificuldade de lidar com o movimento das letras dentro de um espaço. "A posição do teclado oferece uma percepção espacial diferente. Mas uma coisa não exclui a outra. Pode ser feita a alfabetização dentro do processo psíquico para depois adquirir a percepção do teclado. O processo só não deve ser feito de forma concomitante", avalia.

Disgrafia

Uma criança que não aprenda a letra cursiva poderá, mais tarde, escrever à mão? Quézia crê que sim, mais isso será mais lento e penoso. Cita o caso de uma garota que chegou ao seu consultório com o diagnóstico de superdotada, mas não conseguia passar no vestibular em medicina, nem terminar as provas. Estudando a grafia da paciente, viu que o problema estava relacionado ao fato de ela ser canhota, mas ter se alfabetizado destra.

"Como se alfabetizou sozinha aos três anos, achou que tinha de escrever com a mão direita. Isso lhe custava muito, pois sua produção motora era muito mais lenta que seu pensamento." Quézia compara a disgrafia de sua paciente com uma possível consequência do letramento digital. "Uma criança que não é estimulada pode até escrever na vida adulta, mas a produção escrita será mais lenta."

Na prática

A alfabetização por computador levará as escolas americanas a algumas decisões, ainda em aberto. Será que a fonte a ser utilizada será padronizada? "No computador existem muitas fontes diferentes. Isso para a criança é ruim, pois fica exposta a uma série muito maior de estímulos da mesma letra", lembra Quézia. E até que ponto a redução da capacidade motora poderá influenciar o estudo de outras matérias? "Quando a criança trabalha com a cursiva, tem de calcular, inclusive, o espaço entre uma palavra e outra. Como vai ficar o traçado dessa criança quando estudar a geometria? Como vai lidar com compasso ou esquadro, por exemplo, se não tiver capacidade motora?", questiona Quézia.

Para os professores, há outra questão: a falta do registro escrito da produção da criança apaga o caminho do aprendizado e do raciocínio. Silvia acha que essa é uma questão superável. "Até poderíamos contornar isso. Já vi casos de crianças com paralisia cerebral alfabetizadas pelo computador e dá certo. Teríamos algumas alternativas, esse não é o grande empecilho", acredita Silvia. Elvira lembra, entretanto, que pesquisas mostram que as crianças que começam o processo de alfabetização no computador têm um desenvolvimento menor do léxico. "Por isso a Europa está fazendo o movimento contrário", revela.

Pela tendência brasileira de copiar modismos, e por aceitar o discurso de que a tecnologia substitui o desenvolvimento humano, os educadores acreditam que a "moda" de alfabetizar crianças no computador pode pegar no Brasil. Mas, no médio ou no longo prazo, e com resistências. A questão é o papel da escola nesse processo. "Culturalmente falando, já somos tecladistas. Mas o aluno aprende a digitar em casa, não precisa da escola para isso. Mas a fração que tem acesso ao computador ainda é pequena. No Brasil, uma decisão como essa afetaria as classes sociais menos favorecidas", diz Elvira.

Para Quézia, esse movimento ficará mais circunscrito, num primeiro momento, às escolas particulares, devendo estender-se às públicas em até uma década. Com tantos problemas educacionais, o Brasil ainda deve enfrentar o desafio de formar uma sociedade letrada no sentido mais amplo da concepção de linguagem, com sujeitos capazes de se apropriar e se comunicar por meio de suas próprias palavras. E lembrar que, de qualquer forma, o processo nunca é indolor. "Escrever é a arte de aprisionar a mão para liberar a ideia", diz Silvia Colello, citando o psiquiatra Ajuriaguerra, e lembrando que os calos e tendinites atestam a dor da escrita. "Do meu ponto de vista, vale a pena aprisionar a mão para libertar a ideia. E não para aprisioná-la."
Hipóteses infantis
A letra bastão foi introduzida na alfabetização infantil brasileira por volta da década de 80, a partir das pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre a psicogênese da língua escrita. "Esse livro foi chave porque as pesquisadoras mostraram que, enquanto os professores ficavam fazendo b-a-ba, b-e-be, as crianças tinham outros caminhos cognitivos para pensar a língua escrita", lembra a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento da Faculdade de Educação da USP (Feusp), Silvia Colello.

As pesquisas mostraram que, independentemente do ensino escolar, as crianças que vivem no mundo letrado desenvolvem hipóteses. Ao observarem um jornal ou uma receita de bolo, elas tentavam entender "o que essa coisa representa". A primeira resposta mais comum é que a escrita representa as coisas. Aproximando a lógica da escrita à do objeto, a criança tendia a crer que "boi", por ser um animal grande, seria representado também por uma palavra grande, e que "formiga" demandasse poucas letras.

Num segundo momento, a criança chega ao que as pesquisadoras chamaram de "hipótese acertada": a escrita não representa as coisas, mas representa a fala. "Nesse momento a criança dá um salto qualitativo. Uma das hipóteses (silábica) é achar que é necessário haver uma letra para cada sílaba. Isso mostra como a criança começa a analisar a quantidade de letras em uma palavra", explica Silvia.

Por isso, a conclusão do estudo é que a letra cursiva atrapalha na percepção de quantidade de caracteres que uma palavra tem, aferindo-se que a melhor forma de começar a alfabetização é pela letra bastão, para deixar claro que a escrita se dá por unidades. Mas o ideal é que, depois de dominar o sistema, a criança aprenda a cursiva.


UM NOVO 68?

Geração sem futuro
Revoltas no Chile, em Israel e em Londres são uma resposta da juventude ao quadro de devastação social legado por décadas de neoliberalismo. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais
por Ignacio Ramonet - Le Monde Diplomatique Brasil
“O mundo só será salvo, caso tenha salvação, pelos insubmissos” - André Gide


Primeiro foram os árabes, depois os gregos, logo os espanhóis e os portugueses, seguidos pelos chilenos e israelenses. E, em agosto, com muito barulho e fúria, os britânicos. Jovens do mundo todo espalham uma epidemia de indignação, semelhante à que percorreu o planeta – da Califórnia a Tóquio, passando por Paris, Berlim, Madri e Praga – nos anos de 1967 e 1968 e mudou os costumes da sociedade ocidental. Naquela época, tempos prósperos, a juventude pedia para ocupar o próprio espaço com mais liberdade.
Hoje é diferente. O mundo está pior e as esperanças esmoreceram. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais. O processo globalizador neoliberal brutaliza os povos, humilha os cidadãos e despoja os jovens de futuro. E a crise financeira, com suas “soluções” de austeridade contra a classe média e os mais humildes, piora o mal-estar geral. Os Estados democráticos estão renegando os próprios valores. Em tais circunstâncias, a submissão e o acatamento da ordem são absurdos.
Por outro lado, as explosões de indignação e protesto resultam normais em função da conjuntura, e vão multiplicar-se. A violência está crescendo, apesar dos levantes terem diferente formato em Tel Aviv, Santiago do Chile ou Londres. A impetuosa explosão inglesa se diferencia dos outros protestos juvenis – em geral pacíficos, embora com enfrentamentos pontuais em Atenas, Santiago e outras capitais – pelo grau de violência utilizado.
Outra diferença essencial: os amotinados ingleses, talvez pelo pertencimento de classe, não verbalizaram seu descontentamento. Nem colocaram seu furor a serviço de uma causa política ou da denúncia da desigualdade concreta. Nessa guerrilha urbana, nem sequer saquearam os bancos com ira sistemática. Deram a (lamentável) impressão de que a raiva pela condição de despossuídos e frustrados tinha como único foco as vitrines repletas de maravilhas do mundo do consumo. De qualquer forma, como tantos outros “indignados”, esses esquecidos pelo sistema – que já não pode oferecer-lhes um lugar na sociedade, um futuro – expressavam o desespero.
Um aspecto particular do neoliberalismo que incomoda muito, do Chile a Israel, é a privatização dos serviços públicos, pois significa um roubo manifesto do patrimônio da população. Para os que não possuem nada, deveria existir a escola pública, o hospital público, o transporte público, gratuitos ou subvencionados pela coletividade. Quando esses direitos básicos e inalienáveis são privatizados, não se configura apenas o roubo dos bens da cidadania (pois foram custeados com impostos), mas também a destituição do único patrimônio das camadas mais pobres. Trata-se de uma dupla injustiça, e uma das raízes da onda de ira atual.
Com relação à fúria dos manifestantes, uma testemunha dos levantes de Tottenham declarou: “O sistema não cessa de favorecer os ricos e massacrar os pobres. Há cortes nos serviços públicos, as pessoas morrem nas salas de espera dos hospitais depois de terem esperado um médico horas a fio”.1
No Chile, há três meses, milhares de estudantes apoiados por uma parte importante da sociedade reivindicam a estatização da educação, privatizada durante a ditadura neoliberal do general Pinochet (1973-1990). Exigem, ademais, que o direito a uma educação pública de qualidade seja garantido pela Constituição. E explicam que, como está, “a educação já não é um mecanismo de mobilidade social. Ao contrário: é um sistema que reproduz as desigualdades sociais”.2 Para que os pobres continuem sendo pobres...
Em Tel Aviv, no dia 6 de agosto, com o grito de ordem “O povo quer justiça social!”, cerca de 300 mil pessoas se manifestaram em apoio ao movimento dos jovens “indignados” que pedem mudanças nas políticas públicas do governo neoliberal de Benyamin Netanyahou.3 Um estudante declarou: “Quando o salário de alguém que trabalha não dá nem para cobrir os gastos com alimentação, é porque o sistema não funciona. E isso não é um problema individual, é um problema do governo, e coletivo”.

O suicídio social

Desde a década de 1980 e da influente economia de Ronald Reagan, o modelo adotado pelo governo desses países – em especial o dos Estados europeus hoje debilitados pela crise da dívida – é o mesmo: redução drástica dos gastos públicos, cortes particularmente brutais no orçamento social. Um dos resultados dessa política foi o crescimento vertiginoso do desemprego entre os jovens (na União Europeia, 21%, e na Espanha, 42,8%). Esses números indicam a impossibilidade de toda uma geração entrar na vida ativa. Trata-se de um suicídio social.
Em vez de reagir, os governos, assustados pelas quedas recentes das bolsas de valores, insistem em satisfazer as necessidades dos mercados e dos bancos a qualquer custo, quando o que deveriam fazer, e de uma vez só, era desarmar os mercados,5 obrigá-los a uma regulamentação mais rígida. Até quando aceitaremos que a especulação financeira imponha seus critérios para as políticas públicas e a representação política? Que sentido tem essa democracia? Para que serve o voto dos cidadãos se, finalmente, quem manda são os mercados?
No próprio seio do modelo capitalista existem alternativas realistas, defendidas e respaldadas por especialistas reconhecidos internacionalmente. É possível citar, de cara, dois exemplos concretos. Primeiro: o Banco Central Europeu (BCE) poderia se converter em Banco Central de verdade e emprestar dinheiro (com condições definidas) aos Estados da Zona do Euro para que estes financiem seus gastos. Hoje, essa atuação está proibida ao BCE, o que obriga os Estados a recorrer aos juros astronômicos dos mercados. Essa medida acabaria com a crise da dívida. Segundo: parar de prometer e exigir, de fato, a Taxa sobre Transações Financeiras (TTF). Com o módico imposto de 0,1% sobre o intercâmbio de ações e o mercado de capitais, a União Europeia poderia obter, por ano, entre 30 e 50 bilhões de euros, o suficiente para financiar com folga os serviços públicos, restaurar o Estado de Bem-Estar Social e oferecer um futuro mais esperançoso às novas gerações.
Ou seja, as soluções técnicas existem. Mas onde está a vontade política?
Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.
1 Libération, Paris, 15 ago. 2011.
2 Le Monde, Paris, 12 ago. 2011.
3 De acordo com pesquisa de opinião, as reivindicações dos “indignados” israelenses contam com 88% de aprovação dos cidadãos (Libération, op. cit.).
4 Le Monde, Paris, 16 ago. 2011.
5 Ignacio Ramonet, “Desarmar a los mercados” [Desarmar os mercados], Le Monde diplomatiqueem espanhol. Dezembro de 1997.

Casos de agressão a professores crescem 40%

23/09/2011 - 09h44
    - Uol educação


Os casos de agressão a professores nas escolas públicas paulistas têm crescido entre 30% e 40% por semestre nos últimos três anos, segundo o Observatório da Violência do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Só de janeiro a julho deste ano foram mais de 300 casos de agressão física ou verbal a docentes durante as aulas.
Segundo a presidente do sindicato, Maria Izabel Azevedo Noronha, a violência nas escolas se generalizou e já não há um perfil do aluno agressor. "Semana passada, um menino de 6 anos bateu em um professor de uma escola em Diadema. O acúmulo de funções faz o docente estar mais exposto a conflitos", avalia.
A presidente afirmou ainda que 70% dos professores que sofrem de estresse foram vítimas de algum tipo de agressão por parte dos alunos. Segundo ela, muitos chegam a pedir transferência por se sentirem desmoralizados nas escolas e nem todos registram ocorrência por medo de perseguições. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".

domingo, 18 de setembro de 2011

Enem: educação para quê e para quem

MEC afirma que média geral dos alunos no Enem melhorou. Professores e pesquisadores discutem o que deve ser a qualidade buscada na escola pública.

Por Raquel Júnia*
A educação de qualidade é uma bandeira que mesmo pessoas que não fazem parte de nenhum movimento organizado levantam. Nesta semana, foram divulgados os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, no ranking de desempenho das escolas feito pela mídia, nos primeiros lugares estão instituições particulares e, nos últimos, públicas. Pesquisadores entrevistados alertam sobre os riscos dessa comparação e discutem: afinal, o que é uma formação de qualidade no ensino médio?

Em coletiva de imprensa logo após a divulgação dos resultados do Enem, o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que houve um aumento de dez pontos na média geral dos estudantes do Enem, o que para o ministro, é um indicativo de melhora.
Apesar disso, em todos os noticiários foi manchete o fraco desempenho das escolas públicas em comparação às privadas, apesar de o MEC afirmar que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) não concluiu os estudos que permitirão avaliar se a desigualdade entre as públicas e particulares diminuiu.
O professor do Cefet-Rio e ex diretor de concepções e orientações curriculares para a educação básica do MEC, Carlos Artexes, avalia que é um equívoco comparar o desempenho das instituições. "A avaliação dos resultados de um exame sem considerar outras variáveis é um equívoco pedagógico. Não estamos avaliando as condições da própria escola, a melhora que essas escolas tiveram, nem o perfil dos estudantes que as escolas atendem", alerta.
Para Artexes, é preciso levar em consideração, por exemplo, que a grande maioria dos estudantes de ensino médio estudam em instituições públicas. "Das mil escolas com piores resultados, 30% são particulares e 70% são públicas. Nós sabemos que no Brasil temos mais de 85% das matrículas nas escolas públicas. É inegável que existe um conjunto de escolas que obtiveram bom desempenho, por várias razões, inclusive históricas. Seria um equívoco dizer que isso não é importante, porque essa é uma das funções centrais da escola, mas não é a única variável que pode ser considerada", completa.

O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e do Programa de Pós-graduação daEscola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Gaudêncio Frigotto, afirma que um elemento importante na discussão é considerar as diferentes condições de investimento nas escolas particulares e nas públicas.
"Isso não tem a ver com a inteligência das crianças, mas com as condições materiais objetivas, de tempo na escola, de acompanhamento da família, de tempo do professor. Outra questão é que as escolas particulares trabalham no sentido de ter notas altas porque elas fazem disso um marketing", analisa.

No Enem de 2010, cujos resultados foram divulgados agora, o MEC adotou uma metodologia diferente para considerar o desempenho das escolas. As instituições foram separadas de acordo com o número de alunos que participaram do Exame.
Assim, foram divulgados quatro grupos distintos de resultados - o das escolas que tiveram participação de mais de 75% dos estudantes, das escolas com participação entre 50% e 75%, um terceiro grupo com participação de 25% a 50%, e o último com instituições nas quais houve menos de 25% de taxa de participação. Frigotto considera positiva essa iniciativa do MEC para tentar impedir o marketing das escolas particulares com os resultados obtidos. "O MEC tenta com isso evitar esse tipo de manipulação por parte das escolas, porque algumas instituições incentivam apenas os melhores alunos a fazerem o Enem", afirma.
Artexes concorda: "Isso é um avanço, porque assim se faz o ranqueamento, sobretudo, das escolas que participam com mais de 75% de seus estudantes".
O professor pondera, entretanto, que a medida é insuficiente devido ao número crescente de estudantes que têm feito o Enem. "A tendência é ampliar esse número. Hoje, de um milhão e 800 mil alunos que concluem o ensino médio, mais de um milhão estão fazendo o exame. É importante mostrar também o perfil das escolas. O Inep tem inúmeros dados sobre as condições básicas das escolas e seria preciso dar visibilidade a algumas dessas características. É importante entender, por exemplo, que há escolas que fazem seleção para o acesso. Então, evidentemente, ela é diferente de outras. Há escolas em localizações territoriais diferenciadas. Então, quanto mais relacionarmos o resultado do exame com outros perfis das unidades escolares, mais avançaremos nas propostas de políticas públicas", sugere.

Condições materiais da qualidade

Em greve há mais de cem dias, os professores de Minas Gerais afirmam que o baixo desempenho das escolas públicas no Enem não é nenhuma surpresa. "Quando ficamos 100 dias em greve é sinal de que a escola pública não tem valor para ninguém.
Quando o governador oferece R$ 712 de salário - não é nem de piso salarial -, é sinal de que os professores não representam nada", desabafa a professora Monica de Souza, diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE).
Apesar do apoio de diversos movimentos sociais e outras categorias de trabalhadores, o governo do estado de Minas cortou salários dos professores grevistas e demitiu contratados. As assembléias realizadas durante a greve chegam a reunir 9 mil professores e funcionários das escolas públicas estaduais.

No Rio de Janeiro, os trabalhadores da educação também recentemente estavam em greve e inclusive acamparam durante quase um mês na porta da Secretaria Estadual de Educação exigindo 26% de perdas salariais em caráter emergencial, já que, na realidade, a defasagem nos salários é de 80%.
Para o professor Adriano Santos, diretor da Secretaria de Assuntos Educacionais e de Formação do Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe) e diretor da coordenação nacional da Intersindical, também não é novidade o desempenho melhor das escolas particulares no Enem. "A lógica é que aqueles que têm melhores condições de aprendizado irão aprender mais", salienta.
Adriano ressalta que, sem prover as condições materiais e humanas, é impossível avançar na melhoria do ensino público. "Isso significa escolas com infraestrutura, professores e funcionários bem pagos e com planos de carreira, além de diversidade e profundidade curricular. Ainda não temos nem as condições básicas e por isso temos vários problemas na rede pública que vão desde falta de material, prédios ruins, até a qualidade no sentido mais amplo, que está relacionada com a concepção de educação que queremos", afirma.

O professor lembra que em 2011 já ocorreram 20 greves de profissionais da educação, algumas simultaneamente, em todo o país. "A pauta é praticamente a mesma. Aqui no Rio, dos 26% que exigimos de reposição de perda salarial, o estado concedeu apenas 5%", relata.

Gaudêncio Frigotto ressalta que o próprio ministro da educação, Fernando Haddad reconheceu durante a divulgação dos dados do Enem que o Brasil está longe de ter o investimento necessário em educação. O professor destaca uma pesquisa divulgada recentemente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que situa o Brasil no contexto da educação mundial como um país que tem poucos jovens na universidade.
"Há um dado nessa pesquisa que mostra a diferença de materialidade que tem um aluno de escola privada, especialmente de classe média, e um aluno de escola pública. O Brasil gasta em torno de R$ 3 mil por aluno ao ano na rede pública. O padrão de gasto dos países da OCDE é de R$ 13 mil. Portanto, estamos quatro vezes abaixo. Isso revela que de fato nenhum professor ou diretor faz milagre com escolas tão mal estruturadas", diz.

O MEC afirma que o investimento na educação tem crescido. De acordo com o ministério, em 2000, o gasto em educação por aluno a cada ano no ensino médio, era de R$ 770. Em 2009, esse valor subiu para R$ 2.373.
Frigotto destaca, entretanto, o quanto esses valores ainda estão muito distantes do ideal. Ele compara: "Nas escolas da rede privada, sobretudo aquelas que aparecem nos primeiros lugares do Enem, o custo direto por aluno é de R$ 8 mil a R$ 10 mil reais ao ano. Basta somar as mensalidades pagas", reforça.

Para Artexes, de fato o custo por aluno ao ano no Brasil é um dos menores do mundo, particularmente no ensino médio. "Precisamos valorizar esse crescimento que houve. Mas ele não é suficiente, não podemos ficar satisfeitos. Comparado com países até vizinhos nossos, que têm um investimento médio no ensino médio em torno de R$ 6 mil, o Brasil está distante de uma média razoável, e por isso que é importante a luta pela ampliação dos recursos para a educação", diz.
O professor completa que as iniciativas de descentralização dos recursos para a educação ajudaram no crescimento obtido. "O Brasil tem uma estrutura tão burocrática e uma centralização de recursos tão significativa, que comemoramos quando criamos mecanismos de fazer com que esses recursos sejam aplicados diretamente na educação e nos lugares onde devem chegar, seja na unidade escolar, seja no pagamento de salário dos professores. O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) ajudou nisso, assim como o repasse voluntário, e as iniciativas de cada vez mais exigir que se cumpra a legislação no que diz respeito ao investimento dos estados e municípios. Quanto mais monitoramos, mais os recursos vão sendo destinados e o investimento no aluno vai aumentando", observa.
10% do PIB para a educação
A campanha ‘PNE pra Valer' , organizada por vários movimentos sociais, quer que no novo Plano Nacional de Educação (PNE) fique garantida a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. De acordo com o MEC, o Brasil investe hoje cerca de 5,3% do PIB.
O ministro da Educação já deu declarações sinalizando a posição do governo de investir no mínimo 7% do PIB, entretanto, os movimentos argumentam que ainda é muito pouco.
Frigotto concorda. "É unânime do ponto de vista das organizações científicas, culturais, sindicatos e até já é uma tendência dentro do próprio Congresso que 7% é absolutamente insuficiente, significa manter as coisas como estão. Nós continuaremos tendo escolas sem professores nas condições ideais, porque eles vão trabalhar em três, quatro escolas. O PNE postula que o professor trabalhe em uma escola apenas, com metade do tempo em sala de aula e metade tendo formação e apoiando o aluno. E, para isso, o piso salarial tem que subir no mínimo até a mesma base que se paga aos profissionais liberais, administradores, engenheiros, advogados, algo em torno de R$ 3 mil", explica. Segundo o professor, com o aumento de 7% só seria possível pagar o piso atual aos professores.

Os sindicatos dos professores e trabalhadores da educação de Minas Gerais (SindUTE) e do Rio de Janeiro (Sepe), além de vários outros sindicatos do país, também estão na campanha pelos 10% do PIB. "Esses 10% do PIB garantem o que queremos: respeito às condições de trabalho dentro da escola, salário decente, inclusive para no futuro termos professores. Além disso, que de fato tenhamos condições para atendermos à multiplicidade e pluralidade de alunos que temos na escola hoje. Isso seria um salto de qualidade", afirma a diretora do Sind UTE, Mônica de Souza.

Carlos Artexes concorda com a campanha. Entretanto, para ele, garantir 7% do PIB para a educação é uma meta realista. "Sabemos que quando falamos em 7% é uma meta realista, mas lutar por 10% também é uma meta extremamente bem posicionada politicamente. Seria ingênuo acharmos que poderemos chegar a 10% do PIB na correlação de forças que está posta. Mas passarmos de cerca de 5% para 7% é um crescimento extraordinário, embora não suficiente para a tarefa e a dívida que nós temos. Lutar pelos 10%, pode nos ajudar a garantir 7% ou um pouco mais", observa. Artexes reforça que, além de aumentar os recursos, também é preciso garantir formas de corrigir outros problemas, como o não cumprimento da legislação por parte dos municípios e estados.
Concepção de educação
Além das condições materiais, discutir qualidade significa também debater a concepção da educação. Esta é a opinião de todos os entrevistados desta reportagem. "A maioria da classe trabalhadora se forma nas escolas públicas, então, precisamos saber que tipo de educação interessa para nós enquanto classe. Precisamos discutir se o que se pretende da educação é que ela seja apenas uma reprodutora dos mecanismos de opressão, exploração, preconceito e hierarquização da sociedade, ou uma educação que quer a libertação e a construção do projeto de uma nova sociedade", reflete o diretor do Sepe, Adriano Santos.

Para Artexes, além da referência material, a definição de qualidade na educação tem pelo menos mais outras três dimensões. Todas elas, segundo o professor, se articulam.
"Há uma dimensão organizativa. As escolas podem ter a mesma base material, mas um processo de organização e procedimentos que favoreçam o desempenho. Outra dimensão está nas relações. Quando se estabelece uma relação mais democrática, um processo que respeita o estudante e cria diálogos entre os professores, direção e estudantes, alcança-se um nível de qualidade. E a dimensão mais ampla está na identidade da escola, no projeto pedagógico com seus valores. Pode haver escolas com excelente desempenho no Enem e isso tem que ser valorizado, mas não é tudo. Muitas sociedades têm altos níveis de educação, mas não são capazes de estabelecer valores humanos dentro do processo social. Isso também é educação e também é tarefa da escola compartilhar esse processo formativo dos valores humanos, daquilo que concebemos como avanço dos sujeitos, e seu desenvolvimento", detalha.

Gaudêncio Frigotto destaca que a qualidade é um conceito extremamente disputado ideologicamente, e que a iniciativa de ranquear as instituições está dentro de uma perspectiva de qualidade mercantil, de entender a educação como uma mercadoria.
"Para os filhos da classe trabalhadora, uma educação de qualidade é ter uma educação básica que lhes permita articular conhecimento, cultura, trabalho e vida. Portanto, o critério definidor da qualidade não pode ser o mercado de trabalho, ainda que seja importante esse jovem entender a base científica, tecnológica, política e cultural que rege o mundo da produção. É uma educação que está voltada ao sujeito educando, de forma que ele possa se apropriar dos conhecimentos da ciência humana e da natureza, para interpretar e analisar a realidade, para tornar-se não um sujeito alienado, manipulado, colonizado, mas um sujeito que analise, se posicione e tenha condições de interferir na realidade", define.
O professor analisa que a visão produtivista e mercantil de educação é, infelizmente, dominante hoje. "O indicador disso é que grande parte das escolas de ensino fundamental e médio são públicas, mas começam a ser administradas e dirigidas pelo setor privado. A tese dos empresários e da imprensa dominante é que as escolas só serão boas quando tiverem os critérios das escolas privadas. Hoje, no município do Rio, por exemplo, quem dirige o processo e a gestão pedagógica das escolas, é o Instituto Ayrton Senna", exemplifica.

* Matéria produzida originalmente para a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Enem poderá ser obrigatório

Agencia Brasil
Carta capital - Carta na Escola

O ministro da Educação, Fernando Haddad, disse nesta segunda-feira 12 que a universalização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) faria da prova um melhor indicador da qualidade do ensino. Atualmente o exame é voluntário. O Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita no Congresso Nacional, prevê que o Enem se torne um componente do currículo e, portanto, obrigatório.
No ano passado, 56% dos concluintes do ensino médio fizeram a prova. Outras avaliações aplicadas pelo Ministério da Educação, como a Prova Brasil, são universais.
“Seria uma atividade obrigatória para a conclusão dos estudos. Não significa que o estudante precisaria atingir uma nota específica, mas a mera participação [seria suficiente]. Seria como o Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes] em que todos os alunos são convocados a fazer a prova e obrigados a participar”, disse.
Haddad avaliou que “ainda nesta década” o Enem deve acabar com os vestibulares. Desde 2009, a prova passou a ser usada como critério de seleção por parte das universidades públicas, o que fez crescer o número de inscritos no exame. Para o segundo semestre de 2011, foram oferecidas 26 mil vagas em 48 instituições públicas de ensino superior, por meio do Enem, no Sistema de Seleção Unificado (Sisu).
“Vai ser natural esse movimento das universidades de abrirem mão de algo que não diz respeito a elas [cuidar dos exames de seleção]. Em lugar nenhum do mundo é assim. A evolução tem sido muito boa e nosso prognóstico é que a cada ano haverá mais vagas para ingresso no Sisu e no ProUni [Programa Universidade para Todos]“, disse Haddad.

*Matéria publicada originalmente na Agência Brasil

Alunos e professores amigos no Facebook?


Os professores são o novo alvo do Facebook, rede social que, com sete anos de vida, reúne pelo menos 750 milhões de usuários em todo o mundo – no Brasil eram 6 milhões em 2010, data do último dado oficial. De olho no universo escolar, a empresa de Mark Zuckerberg criou uma espécie de “manual de uso”. Gratuito para download, o guia Facebook for Educators (disponível ainda apenas em língua inglesa) traz 18 páginas com orientações e possibilidades de uso em sala de aula elaboradas por dois consultores em educação e tecnologia, Linda Fogg Phillips e Derek Baird, além do psicólogo BJ Fogg. A proposta chega no momento em que as questões ligadas à internet estão em efervescência na escola. Afinal, as redes sociais devem ou não ser usadas para fins educativos?
A polêmica é grande. Inclusive, em países com altíssima difusão das redes sociais, como os Estados Unidos. Para se ter uma ideia do imbróglio, o estado norte-americano do Missouri aprovou uma controversa lei que, em tese, restringe a interação entre professores e alunos em redes sociais. Apelidado de “Ato Amy Hestir de Proteção ao Estudante”, a lei proíbe que professores mantenham conversas on-line não públicas com alunos, como acontece no chat do Facebook ou via Direct Message no Twitter, por exemplo.
No Brasil, o terreno também é arenoso, já que ainda não existe uma legislação específica para a internet. No caso das redes sociais, há um contrassenso. Embora seja comum professores “adicionarem” seus alunos – e vice-versa –, na maioria das escolas Facebook, Orkut ou MSN são programas bloqueados. É possível ignorar que essa comunicação exista e separá-la do ambiente escolar? “Vivemos em uma sociedade em que estar conectado é parte da vida de todas as pessoas. A aproximação entre alunos e professores nesse contexto é possível e válida, mas é preciso pensar que tipo de relação estabelecer. Afinal, a mediação da relação entre professores e alunos é profissional”, aponta Lilian Starobinas, doutoranda da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora da Escola do Futuro. A especialista acredita que as redes sociais podem ser usadas como ferramentas pedagógicas. Além de ajudar os alunos a fazer uso consciente da rede, o professor poderia encontrar maneiras de agregar valor educacional ao uso da rede social, como, por exemplo, a criação de um perfil de personagem histórico no Facebook para interagir com os alunos.

O GUIA
Dividido em sete capítulos, o manual traz orientações que vão desde a elaboração de uma política específica para uso de redes sociais na escola até explicações que desmistificam o funcionamento da rede. No documento é possível encontrar informações detalhadas sobre o que é “perfil”, “página” e “grupo”, além de orientações sobre configurações de privacidade.
De acordo com Linda Phillips, autora também de Facebook for Parents (Facebook para Pais), “a necessidade de um guia específico que abordasse as preocupações dos educadores e ensinasse como utilizar o Facebook dentro do processo educacional era óbvia”. Lilian Starobinas ressalta que o professor precisa saber claramente a maneira de atuar nas redes sociais: “Conhecer tanto a dinâmica dos relacionamentos quanto da circulação da informação”.

REGRAS NA REDE
Conhecer melhor ferramentas como o Facebook é uma preocupação das escolas que estão buscando se conectar com as novas tecnologias. Renata Americano, coordenadora pedagógica do Fundamental I da Escola Viva, conta que, principalmente no caso dos alunos mais novos, a instituição particular localizada em São Paulo recomenda ir com calma. “A gente não tem como gerenciar tudo isso”, explica.
A necessidade de se interar sobre as redes sociais levou a escola a buscar uma consultoria jurídica no assunto. Além de conversar com os pais dos alunos, a recomendação estabelecida foi que os professores não adicionassem alunos como “amigos” em seus perfis pessoais – para os que já haviam feito isso, o pedido foi que removessem os alunos da rede de amizades virtuais. Segundo a coordenadora, a medida é cautelar. “Não somos contra a tecnologia, mas o Facebook ainda é um espaço que estamos tentando entender”, esclarece.
Também localizada em São Paulo, a escola Stance Dual optou por não restringir a interação de professores e alunos via rede social. A escola trabalha com ferramentas da internet e costuma realizar atividades com os estudantes nesses espaços há cinco anos. Apenas o MSN é bloqueado. No começo do ano, foram comprados 26 laptops para serem usados também dentro da sala de aula. Por conta disso, a escola realizou um treinamento com todos os professores, orientando-os sobre o uso das ferramentas disponíveis na rede. “É uma forma de os professores também participarem dessa formação do aluno”, defende Cláudia Mandaio, assistente de tecnologia de informação da instituição.
Apesar de não ser uma política oficial, a coordenação da Stance Dual apenas recomenda que os professores criem perfis específicos para se comunicarem com os alunos no ambiente virtual, o que evitaria a exposição da vida pessoal do educador. Foi o que fez a professora de Teatro, Barbara Araújo, ao adotar a ferramenta como suporte para a construção do roteiro de uma peça teatral. A princípio, as duas turmas do 9º ano do Ensino Fundamental optaram por escrever o roteiro com a ferramenta de edição de texto oferecida pelo Google – o Google Docs. Entretanto, como não tinham o costume de utilizar o Docs, os estudantes acabavam não interagindo entre si ou com a professora.
A solução partiu de uma aluna, que sugeriu o Facebook. Depois de criar um perfil só para a função, Barbara criou um grupo- para as classes. “Todo mundo pode escrever, participar e editar, vira um texto realmente coletivo”, analisa. Além disso, a professora aponta que o uso do Facebook agilizou a produção: “Antes precisava digitar, ler, imprimir. No Facebook eu tenho a resposta na hora, porque os alunos estão sempre lá”. No entanto, a educadora admite que a experiência não teria sido tão positiva, caso ela tivesse compartilhado seu perfil pessoal. “O Facebook ainda é um jogo entre o público e o privado”, reflete.

Como usar o Facebook
Baseado em compartilhamento de informação e comunicação, permite controlar o acesso ao seu perfil. Basta clicar em “Conta”, “Configuração de privacidade” e escolher quem pode visualizar seus dados pessoais, o que você posta no mural ou suas fotos.
Nesta mesma seção, é possível tornar o controle mais específico e escolher quais tópicos todos podem ver (por exemplo, informações de contato como e-mail) e quais você gostaria que ficassem privados (como fotos da família).
Caso você adicione seus alunos em seu perfil pessoal, é possível controlar o que eles poderão visualizar do seu perfil. Existe uma ferramenta para impedir pessoas específicas de interagirem com você ou de ver suas informações no Facebook. Clique em “Conta”, “Configuração de Privacidade” e “Listas de Bloqueio”.
O controle também funciona sobre quem pode “marcar” suas fotos ou posts. Se você não deseja que a marcação apareça, remova-a da foto e do vídeo. Isso também impede que ela apareça em seu perfil.
A rigor, apenas maiores de 13 anos podem criar uma conta no Facebook. A regra também vale para o Brasil. É possível denunciar a existência de perfis com idades falsas por meio de um link disponível dentro da rede social. Uma vez denunciado, o perfil fake é deletado pela empresa.
Até o usuário completar 18 anos, o perfil funciona de maneira ligeiramente diferente – ele não aparecerá em resultados de busca pelo nome da pessoa em sites como o Google e suas atualizações só poderão ser vistas pelos amigos ou amigos de amigos.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/tecnologia/alunos-e-professores-amigos-no-facebook