Boa parte dos professores se sente um pouco incomodada quando aparece uma proposta de ensino diferente das suas práticas diárias. Isso precisa ser superado, afinal o que vemos no dia a dia escolar é o agravamento de situações conflituosas geradas, na maioria das vezes, pela indisciplina dos alunos - mas porque essa indisciplina é mais agravada em algumas aulas e não em outras?
É preciso que nos livremos de certos preconceitos, de certas "verdades" que estão arraigadas no nosso cotidiano e prática profissional. Precisamos discutir abertamente as situaçãoes que mais nos afligem, buscar soluções junto à equipe escolar e, também ,ler, debater e, quem sabe, aceitar algumas sugestões e colocar em prática novas propostas. Talvez seja o caminho!
Boa leitura!
Mirtes.
A aula pode ser atraente
Cibele Celestino Silva – Março de 2011 Carta Capital – Carta na Escola
Contextualizar multidisciplinarmente a história do conteúdo a ser lecionado ajuda o aluno a entender a relevância do que ele precisa aprender
Apesar dos profundos avanços sociais, científicos e tecnológicos ocorridos nos últimos cem anos, os currículos das disciplinas científicas e a forma como são seguidos pouco mudaram. É um grande desafio para os professores de Física, Química ou Biologia tornar as aulas e o conteúdo mais atraentes para alunos que, muito frequentemente, se perguntam por que precisam aprender tudo aquilo.
A importância da contextualização e interdisciplinaridade para a aprendizagem tem sido enfatizada como uma das formas de promover o envolvimento dos estudantes. Materiais baseados na História e Filosofia da Ciência podem funcionar como elementos de contexto possíveis ao revelar que a ciência está intrinsecamente ligada aos contextos social, filosófico e econômico, entre outros. Por exemplo, ao falar de eletrodinâmica, é possível associar o conteúdo explorando-se a história do desenvolvimento da eletrificação, das suas consequências para a industrialização, mudanças no estilo de vida da sociedade e os problemas contemporâneos derivados da dependência de fontes de energia.
Outro aspecto favorável é também mostrar como o conhecimento científico é construído, validado e aceito, ou seja, ensinar sobre a natureza da ciência. Esta abordagem foi fortemente influenciada pelo movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente a partir da década de 1990, afetando a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e das diretrizes curriculares de vários estados.
A História e a Filosofia da Ciência podem facilitar o aprendizado do conteúdo científico e permite acrescentar os métodos utilizados pelos cientistas para desenvolver novas teorias, e também como novas ideias são aceitas pela comunidade científica. A construção do conhecimento da Ciência é um processo complexo baseado na refutação e transformação de ideias aceitas previamente somadas ao desenvolvimento de novas. Sendo assim, a História da Ciência esclarece que este processo é influenciado por fatores de natureza social, cultural, filosófica, econômica, tecnológica etc., contribuindo para evidenciar seus significados para as futuras gerações e para apresentar o processo científico em toda a sua riqueza, mostrando que a ciência tem uma longa tradição de construção coletiva e que não está isenta de influências externas.
Uma abordagem histórica também favorece a compreensão de conceitos científicos tidos como difíceis ou muito abstratos, já que os estudantes poderão entender suas dificuldades e como elas foram enfrentadas por cientistas do passado. Além disso, uma boa parte do interesse da comunidade de educadores pela história das ciências é resultado das pesquisas sobre as concepções prévias de crianças desenvolvidas por Jean Piaget e outros. Esses trabalhos mostraram que os estudantes possuem concepções a respeito da natureza que, muitas vezes, diferem do conhecimento científico atual. Em alguns casos, as concepções dos estudantes estão muito próximas de explicações que já foram aceitas no passado. Deste ponto de vista, a História da Ciência, aliada às inúmeras pesquisas já realizadas para mapear as concepções alternativas, é um instrumento importante para a promoção da tomada de consciência dessas concepções por parte dos estudantes.
A interação com o conteúdo de outras disciplinas também pode ser desenvolvida através de atividades envolvendo História e filosofia das ciências. Além disso, a História da Ciência introduz um componente emocionante nas aulas, colocando o aluno em contato com os debates envolvidos na construção dos conceitos e com os equívocos e contradições dos cientistas.
A História da Ciência também é importante para promover habilidades investigativas por trazer exemplos de investigação científica. Através de estudos de casos escolhidos e desenvolvidos, professores podem agir como mediadores da aprendizagem por investigação ao buscarem interpretações levando em conta aspectos lógicos, culturais, experimentais etc.
Cuidados com o enfoque
Apesar de seus potenciais benefícios, no Brasil, bem como em outros países do mundo, a aproximação entre História da Ciência e ensino geralmente ocorre de forma superficial e equivocada, enfatizando os aspectos caricaturais dos cientistas, reforçando a ideia da existência de “gênios”, reduzindo a história a nomes e datas e, consequentemente, transmitindo uma visão errada sobre o método científico.
Não existe uma única forma de contar estes feitos. Há quem a narre de forma linear, valorizando os conceitos atualmente aceitos, ou seja, uma história contada do ponto de vista dos “vencedores”. Isso dá a impressão de que o desenvolvimento científico não poderia conduzir a outro lugar que não a nosso conhecimento atual. Toda complexidade da história é ignorada, assim como os inúmeros erros e desvios de percurso que a investigação científica apresenta. Os livros didáticos contam uma história das ciências que privilegia a memorização de nomes, datas de alguns poucos feitos científicos, e os acertos de certos personagens retratados como heróis. Raramente temos oportunidade de aprender sobre os erros cometidos por pessoas como Galileo, Darwin e outros famosos.
Há uma tendência a se concentrar em “histórias anedóticas”, presentes em livros didáticos e no imaginário popular que não encontram o menor embasamento histórico, como por exemplo, Arquimedes e a banheira, Newton e a maça, entre outras. Longe de discutir os aspectos históricos que deveriam ser explorados tais como os relacionados com os conceitos e com o contexto, essas anedotas, em um primeiro momento, podem atrair os alunos, mas que transmitem implicitamente uma visão completamente equivocada sobre como se dá o desenvolvimento da ciência.
Esses são os gêneros mais comuns de história das ciências que têm predominado no ensino de Ciências, seja nos livros didáticos, seja na História das Ciências ensinada nos cursos de formação de professores. Mas, há outras maneiras de fazê-lo ao buscar reconhecer o valor de cada ideia ou conceito produzido, mesmo os que não são atualmente aceitos, considerando o contexto em que esses conceitos (e os cientistas que os produziram) estavam inseridos. Elas valorizam erros e acertos e reconhecem as influências externas sofridas pelos cientistas, tais como de fatores religiosos, políticos, econômicos etc.
É esse tipo de história das ciências que pode ser um instrumento extremamente útil para a compreensão, por parte de alunos e professores, da natureza da ciência. A ciência é produto do contexto histórico e social em que está inserida. Ela é um empreendimento humano, e assim deve ser vista. Ao contrário disso, nossos alunos tendem a percebê-la como um empreendimento exclusivo de mentes geniais e pessoas- muito diferentes e distantes deles.
Cibelle Celestino Silva é professora do Instituto de Física da USP-São Carlos e especialista em História da Ciência
Fonte: Revista Carta Capital on line - Carta na escola